O que pode acontecer com Datena nas justiças eleitoral e criminal após cadeirada em Marçal?
Especialistas ouvidos pelo g1 apontam que a legislação eleitoral não tem previsão de punição em casos de agressão física, mas andamento do caso dependerá da interpretação do Ministério Público Eleitoral; entenda.
José Luiz Datena (PSDB) agrediu Pablo Marçal (PRTB) com uma cadeirada durante debate com os candidatos à Prefeitura de São Paulo neste domingo (15), que era transmitido ao vivo pela TV Cultura.
Após o episódio, Marçal foi internado no Hospital Sírio-Libanês e recebeu alta na manhã desta segunda-feira (16). Em coletiva na saída do hospital, ele disse que a agressão “foi só um esbarrão”, classificou o episódio como deprimente e afirmou que pedirá a cassação do registro de Datena.
O advogado de Pablo Marçal registrou um boletim de ocorrência por lesão corporal e injúria contra Datena. A Secretaria da Segurança Pública confirmou que o caso foi registrado no 78° DP (Jardins).
O g1 conversou com especialistas para entender o que pode acontecer com o candidato tucano nos âmbitos eleitoral e criminal após a agressão.
Âmbito eleitoral
Sob o ponto de vista da Justiça Eleitoral, os especialistas foram unânimes: é pouquíssimo provável que Datena tenha a candidatura afetada ou cassada, por exemplo.
“A agressão física ou verbal, embora seja moralmente condenável, não é causa legalmente prevista para que o registro da candidatura de alguém seja cassado. Portanto, Datena, se quiser, poderá continuar a concorrer pelo cargo de prefeito”, afirmou Maira Scavuzzi, Advogada especialista em direito penal e constitucional
Professor de Direito Eleitoral na Escola Paulista de Direito, Alberto Rollo aponta no mesmo sentido: “Não tem nada para fazer. A lei eleitoral disciplina a organização de debate, quais são as regras, quem é obrigado a convidar ou não convidar. O resto, o comportamento, é fixado pelas empresas promotoras e as assessorias. A Justiça Eleitoral não tem nada a ver com isso”.
“O que tem nessas circunstâncias é uma agressão, ou tentativa de agressão. Portanto, é lesão corporal, é crime. Isso não influencia em nada na eleição, em nada no processo eleitoral”, completa o advogado.
“Já vi notícia que o Marçal diz que vai pedir a cassação do registro do Datena. Não tem fundamento. Isso é mais um dos recortes que ele quer fazer na internet, mas não tem fundamento”, afirma Rollo.
Bruno Andrade, coordenador-geral adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, também diz que a agressão não coloca a candidatura de Datena diretamente em risco. “Cabe aguardar se haverá propositura de alguma ação para avaliar o contexto, avaliar se cabe ou não alguma punição no âmbito eleitoral”.
Apesar disso, segundo o jurista, a legislação traz uma previsão em relação a agressões no âmbito de campanhas eleitorais. No entanto, a possibilidade de isso afetar o tucano depende da interpretação do Ministério Público Eleitoral.
Trata-se do artigo 326, parágrafo segundo, do Código Eleitoral, que diz:
“Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, se considerem aviltantes: pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal”.
“É difícil, mas poderia ser considerado que foi cometido o crime eleitoral de injúria com violência, que chegou às vias de fato”, aponta Andrade.
Para Alberto Rollo, a previsão legal não se aplica ao caso de Datena porque sua intenção inicial não foi de cometer um ato de injúria:
“O Código Eleitoral fala sobre praticar a injúria e usar de violência. Não foi o Datena quem praticou a injúria. Ele praticou violência, mas não foi ele quem praticou a injúria. A injúria seria o contrário: o Marçal falou que ele praticou assédio sexual, esse tipo de coisa. E ele, para reagir, usou a violência”.
No entanto, segundo o professor, as ofensas classificadas como calúnia, injúria e difamação podem ser apuradas como crimes eleitorais e implicar em sanções mais gravosas às candidaturas, já há previsão em relação a elas no Código Eleitoral.
Vânia Aieta, coordenadora-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político afirma que não existe implicação eleitoral em casos de agressão. “Creio que os debates têm regras muito boas e amarradas. Trata-se de uma extraordinariedade. Pode acontecer em qualquer lugar, em qualquer situação. E não tem como evitar”.
“O que o lesado pode fazer é ingressar com as ações cabíveis, mas nada que comprometa o Datena de continuar a concorrer”, disse a especialista.
“As medidas que são tomadas ordinariamente pelas Coordenações dos Debates são suficientes e já fazem previsão de agressões, que de um modo geral espera-se que sejam tão somente verbais. Uma agressão física não chega a ser causa de impugnação do agressor. Não se trata propriamente de um crime eleitoral. O caso é extraordinário e acabou na esfera pessoal”, completou.
Diante do histórico de ânimos exaltados e da recente agressão, Bruno Andrade sugere que medidas de proteção podem ser adotadas nos próximos debates: “Seja colocando cenários que impeçam a movimentação direta dos candidatos, seja mudando o modelo para entrevistas”.
Âmbito criminal
Em relação ao aspecto criminal da agressão, os juristas também concordaram entre si ao dizer que Datena pode sofrer sanções penais em um contexto de lesão corporal dolosa contra Marçal.
“O episódio ocorrido no debate, em tese, configura o crime de lesão corporal dolosa. Se for considerada lesão corporal de natureza leve, a vítima poderá optar se vai representar contra o ofensor. Somente após essa representação o Ministério Público irá agir contra o agressor. Se a lesão for considerada grave, o Ministério Público irá processar o agressor independentemente de representação da vítima”, destacou Rodrigo Dall’Acqua, advogado criminalista, sócio do Oliveira Lima e Dall’Acqua Advogados e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
“Uma das formas de lesão de natureza grave é aquela que causa a incapacidade da vítima para suas ocupações habituais por mais de trinta dias”, que, além do trabalho, podem ser consideradas atividades esportivas e de lazer, explica o advogado.
Dall’Acqua chamou a atenção para o fato de que as provocações de Marçal durante o debate podem beneficiar Datena, em caso de condenação: “A lei penal garante redução de pena para o agressor que age sob o domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima”.
A advogada Maira Scavuzzi explica as diferenças entre as penas para os tipos de lesão:
“A lesão corporal simples, cuja pena é de detenção de três meses a um ano, trata-se de uma infração de menor potencial ofensivo, que admite, inclusive, transação penal para evitar que sequer seja instaurado processo contra o agressor, aplicando-se sanção de multa ou restrição de direitos, a ‘famosa cesta básica'”, apontou.
“Contudo, se em razão da violência a vítima sofrer resultados de gravidade superior — por exemplo, correr perigo de vida ou perder a função de um membro — a pena será de reclusão de um a cinco anos ou de dois a oito anos”, completou.
Raphael de Matos Cardoso, especialista em Direito Eleitoral e sócio do Marzagão e Balaró Advogados, pensa que a agressão não pode configurar, em tese, crime eleitoral, mas crime comum: “Para configurar o crime eleitoral teria que ter sido praticado na propaganda eleitoral ou visando a fins de propaganda”.