MZBL NO POLO MÉDICO | A IMPORTÂNCIA DA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E A IDONEIDADE DO SISTEMA DE TRANSPLANTES DO BRASIL
Por Marinella Afonso de Almeida*
Conforme dados do Registro Brasileiro de Transplante, disponibilizado pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), há perspectiva que em 2023 os números de doações e transplantes voltem a apresentar uma crescente, tal como ocorria em período anterior à pandemia da COVID-19.
De fato, apesar do Brasil possuir um eficaz sistema público de transplantes de tecidos e órgãos, com números expressivos, a doação e alocação de órgãos é um processo trabalhoso e técnico que depende, ainda, da confiança da população. Esta é a razão de, recorrentemente, serem veiculadas campanhas de conscientização.
Ocorre, contudo, que quando uma figura pública necessita de um transplante de órgão, como ocorrido com o apresentador Fausto Silva que, pouco tempo após sua inclusão na lista de espera, por cumprir critérios técnicos precisos de priorização, foi beneficiado com um transplante cardíaco, o assunto repercute em algumas mídias sociais com viés sensacionalista. Este tipo de abordagem coloca em dúvida a lisura das filas de espera, o que acaba por dessensibilizar algumas pessoas, gerando desconfiança, desinformação e verdadeiro desserviço sobre a importância da doação de órgão e idoneidade do sistema brasileiro de transplantes.
No Brasil, o órgão responsável pela coordenação de transplantes no SUS é o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), cujo órgão administrativo e gerencial é a Central Nacional de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO). Ela conta com o auxílio de Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos estaduais, além de centrais regionais, cobrindo praticamente todo o território nacional.
A fila para transplantes no SUS, para cada órgão ou tecido, é única, e o atendimento não é exclusivamente por ordem de inclusão na fila, mas também por critérios técnicos de compatibilidade, urgência e, ainda, critérios geográficos específicos para cada órgão, de acordo com normas específicas do Ministério da Saúde.
No Estado de São Paulo, a Central de Transplantes é o setor da Secretaria de Saúde do Estado responsável pelo recebimento das inscrições dos pacientes candidatos ao transplante (receptores) e das informações sobre os doadores. O banco de dados do sistema informatizado da Central de Transplantes se denomina Cadastro Técnico Único.
Confirmada a indicação do transplante, a equipe transplantadora inscreve o receptor junto à Central de Transplantes. Essa inscrição gera automaticamente um número de registro denominado Registro Geral da Central de Transplantes (RGCT), por meio do qual o paciente passa a ser identificado no Cadastro Técnico.
A priorização é a situação em que o receptor é colocado como preferencial na lista devido a gravidade do quadro clínico em que se encontra. Essa priorização segue critérios bem estabelecidos e predeterminados pelo Ministério da Saúde, devendo ser pautada em documentos comprobatórios da gravidade do quadro.
Em relação ao transplante de coração, no Estado de São Paulo existe apenas a fila única. Os pacientes são listados por ordem cronológica e tipo sanguíneo. Quando do surgimento de um coração, os pacientes são selecionados automaticamente por programa de computador, sem nenhuma possibilidade de interferência de seus operadores.
A distribuição é de responsabilidade exclusiva da Central de Transplantes e obedece a critérios preestabelecidos e leva em consideração: a) características específicas do doador, b) compatibilidade de grupo sanguíneo e de peso entre paciente e doador e c) critérios de priorização do receptor, entre outros. Assim, após a análise conjunta de todos os critérios envolvidos no processo de seleção de receptores, a classificação final dos candidatos compatíveis a receberem o coração deste doador se dará por tempo de espera.
No contexto do transplante cardíaco do apresentador Fausto Silva, a conscientização sobre a tecnicidade do sistema de transplante e impossibilidade de ingerência externa à lista de espera deve ser bem difundida, de modo a possibilitar que a população confie e tenha a segurança necessária, no intuito de possibilitar o aumento das doações e, proporcionalmente, do número de transplantes que, muitas vezes, é a única alternativa terapêutica dos pacientes inscritos nas listas de espera.
*Marinella Afonso de Almeida, é advogada, especialista em Direito Médico pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra. Atua no Terceiro Setor por meio de mantenedoras de hospitais públicos. É sócia da área de Direito Médico e Responsabilidade Civil, do Marzagão e Balaró Advogados