OS DESAFIOS E AVANÇOS DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Daniela Rocegalli Rebelato analisa a evolução dos direitos da filiação socioafetiva
A filiação socioafetiva tem ganhado cada vez mais relevância e despertado debates acerca dos seus fundamentos e repercussões: apesar dos avanços na jurisprudência, que já contribuem para o reconhecimento e a proteção dos laços afetivos, ainda há desafios a serem enfrentados – em especial, as lacunas no ordenamento jurídico.
Daniela Rocegalli Rebelato, do Marzagão e Balaró Advogados, especialista em Contratos, Direito Civil, Direito de Família e Sucessões, afirma que o acompanhamento dos direitos das crianças e adolescentes, bem como a busca por soluções jurídicas adequadas, são fundamentais. A advogada analisa a Tese 622, que introduziu formalmente a multiparentalidade no sistema jurídico – “com seu reconhecimento registral”.
De acordo com Rebelato, para a configuração da parentalidade socioafetiva, há três requisitos principais: o laço de afetividade, o tempo de convivência e o sólido vínculo afetivo. Ela sublinha que, mesmo diante de resultados negativos de exames de DNA, o fato de não ser o pai biológico não apaga a responsabilidade do adulto – e, tampouco, o forte laço afetivo criado com a criança.
A advogada ressalta que “a posse do estado de filho” é a figura jurídica que melhor traduz esses requisitos. Todavia, há outras formas de filiação socioafetiva reconhecidas, como a “adoção à brasileira” e a reprodução assistida heteróloga. Sobre os critérios adotados pela jurisprudência para reconhecer a filiação socioafetiva, Rebelato explica que “a jurisprudência leva em conta justamente a necessária presença dos requisitos, analisados caso a caso”. Em outras palavras, segundo ela, não há um molde pré-estabelecido para o reconhecimento.
A especialista ressalta que, conforme a Tese 622, “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento de vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. No entanto, “existem casos em que Desembargadores e até Ministros deixam de aplicar a Tese 622 sob a justificativa de não priorizar o melhor interesse da criança e/ou do adolescente” – não obstante, de maneira geral, de acordo com a advogada, o reconhecimento da multiparentalidade seja majoritário, juntamente com seus consectários legais.
Em relação aos direitos e obrigações decorrentes do reconhecimento da filiação socioafetiva na jurisprudência brasileira, Rebelato afirma que, desde a Constituição de 1988, “não há mais diferenciação entre os filhos, especialmente em relação aos direitos e obrigações” – que são idênticos, seja na filiação socioafetiva, seja na filiação biológica, incluindo os efeitos sucessórios.
Conflito
No tocante aos casos em que a filiação socioafetiva entra em conflito com a filiação biológica, Rebelato esclarece que “não há possibilidade de conflito”, “pois não existe hierarquia entre elas” – visto que a tese 622 foi estabelecida justamente para evitar os conflitos e a hierarquização da filiação. No entanto, pondera a advogada, pode haver divergências entre aqueles que buscam o reconhecimento de um ou outro vínculo, o que pode resultar em disputas judiciais.
Sobre os precedentes relevantes da jurisprudência brasileira, Rebelato menciona que “não existem casos recentes relevantes de filiação socioafetiva”. Contudo, chama a atenção para o caso do Recurso Extraordinário 898.060/SC, que originou a Tese 622 e teve repercussão significativa.
Esse caso envolveu a investigação de paternidade, retificação de registro civil e fixação de alimentos. A decisão inicial determinou a retificação do assento de nascimento, substituindo o pai socioafetivo pelo pai biológico. No entanto, tal decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), reconhecendo a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), resultando na Tese 622, que tem influenciado a construção do cenário atual da multiparentalidade.
Lacunas legislativas
Rebelato enfatiza que, apesar dos avanços na jurisprudência, ainda existem lacunas legislativas decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade. Questões relativas à emancipação voluntária, casamento de menores, representação judicial, direito sucessório, entre outras, ainda carecem de soluções claras, na visão dela, e dependem da atuação do Poder Judiciário para definir as questões pendentes.
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