MZBL NA CONJUR | PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS EM AÇÃO INDENIZATÓRIA POR ERRO MÉDICO
Por Luciana Abenante, advogada especialista da área de Direito Médico do Marzagão e Balaró Advogados
O crescimento da judicialização da saúde visto em todos os tribunais do país foi severamente agravado pela Covid-19. Significativa parte das ações de conhecimento tem por objeto a investigação de conduta culposa de médicos e de estabelecimentos de saúde no tratamento dos pacientes, seja por imprudência, negligência ou imperícia.
Ocorre que muitos pacientes autores de ações indenizatórias, em momento anterior à propositura da demanda, principalmente em razão da onerosidade, deixam de submeter o prontuário médico à análise de um assistente técnico para análise de uma suposta existência de conduta culposa do profissional médico em seu tratamento.
O que culmina, na maioria das vezes, na distribuição de verdadeiras aventuras jurídicas que abarrotam demasiadamente o Judiciário. Diante dessa realidade, e visando evitar tal sobrecarga, é recomendável que as partes utilizem outros meios para a obtenção do necessário embasamento técnico mais robusto para ingresso de eventual demanda de conhecimento ou até mesmo como meio eficaz de resolução de conflitos. Sendo o instituto da ação de produção antecipada de provas uma dessas hipóteses.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), a produção antecipada de provas ganhou nova forma jurídica e tornou-se uma importante estratégia alternativa para questões técnicas imprecisas ou litígios com desfechos duvidosos. O instituto, durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), era vinculado à necessidade de urgência, sendo utilizado por meio de procedimento cautelar apenas em situações de urgência.
Atualmente, com a edição dos artigos 381 a 383 do CPC/2015, o instituto perdeu o caráter de urgência e se apresenta como processo autônomo, se tornando uma efetiva medida estratégica para a aferição da existência de verdadeiro direito material e consequente certeza quanto à pertinência do ingresso de demandas bem-sucedidas, ou até mesmo para a autocomposição.
De forma que, quando houver (1) “fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação” (artigo 381, inciso I, do CPC/2015); (2) “prova a ser produzida suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito” (artigo 381, inciso II, do CPC/2015); ou (3) “prévio conhecimento dos fatos que possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação” (artigo 381, inciso III, do CPC), pode a parte requerer por meio de medida judicial a produção antecipada da prova.
O escopo do instituto é apenas viabilizar a produção da prova, e, segundo ensinamento de José Miguel Garcia Medina, não comporta valoração ou formação de convencimento. Sendo que o seu procedimento é preciso e a sentença homologatória garante os elementos produzidos como prova judicial.
Portanto, referida medida autoriza a análise da prova no bojo de ação autônoma, assegurando às partes o pleno exercício do contraditório, conforme disposto no artigo 7º do CPC.
Neste contexto, a produção antecipada de provas serve como instrumento primordial para a certificação de fatos controversos ou onde seus efeitos não podem ser efetivo e antecipadamente estimados. Permitindo, assim, ao postulante saber se o direito a ser pleiteado em ação autônoma e consequentes riscos reais do seu ajuizamento.
Em 2021, o CNJ apresentou dados da pesquisa “Judicialização e Sociedade: Ações para Acesso à Saúde Pública de Qualidade” (1). Segundo o levantamento, a cada ano aumenta o número de casos na Justiça referentes à área de saúde, ultrapassando 2,5 milhões de processos entre os anos de 2015 e 2020. A mesma pesquisa demonstra que a grande parte dos processos relacionados à saúde estão concentrados nos Tribunais de Justiça estaduais.
A despeito de os pontos centrais da judicialização da saúde estarem relacionados à discussão quanto ao dever do Estado em fornecer medicamentos — e voltados aos planos de saúde quanto à negativa de tratamento —, é certo que há um percentual significativo de ações em que se discute possível erro médico relacionado aos profissionais durante o tratamento dispensado ao paciente.
O período de pandemia contribuiu para o aumento de processos indenizatórios fundamentados na responsabilidade civil dos hospitais, médicos e ambulatórios, os quais, diante da crise no sistema de saúde público e privado, ficaram ainda mais vulneráveis a serem demandados judicialmente. Ocorre que referidas ações fundamentadas na responsabilidade civil dos referidos profissionais sem embasamento técnico resultam em aventuras jurídicas que sobrecarregam o Poder Judiciário com demandas fadadas à improcedência na medida em que nem todo resultado adverso ou indesejado de um tratamento ou procedimento cirúrgico caracteriza má-prática profissional.
Muitas vezes, referidas ações são distribuídas por total falta de conhecimento técnico do paciente, em razão da estreita relação médico-paciente durante a consulta, da omissão do próprio médico na completa elucidação ao paciente dos procedimentos e resultados obtidos, além de inúmeras outras causas que levam ao descontentamento do postulante.
Sabe-se, por exemplo, que em ações fundadas em responsabilidade civil por erro médico, dada a complexibilidade técnica da matéria discutida, é primordial a realização de perícia técnica especializada por um profissional médico indicado pelo juiz.
Ocorre que o trâmite da ação indenizatória, onde a produção da prova pericial é realizada na fase instrutória do processo de conhecimento, é moroso, além de medida arriscada caso o paciente não tenha convicção técnica da efetiva ocorrência de erro médico, ainda mais se não for hipossuficiente e não litigar sob o pálio da gratuidade de justiça.
Neste contexto, o uso estratégico do instituto da produção antecipada de provas permite ao paciente, antes do ajuizamento da ação indenizatória, requerer a realização de prova pericial no intuito de ter material probatório robusto, o que representa vantagem ao litigante.
Por meio deste procedimento antecedente, o paciente poderá requerer a realização de provas, mas, em se tratando de deslinde de questão técnica médica, é cogente a necessidade de realização de perícia médica para que o perito indicado pelo magistrado possa avaliar o paciente (perícia direta) e/ou prontuário médico-hospitalar (perícia indireta) e emitir um laudo pericial sobre a questão técnica controversa.
E, caso a prova produzida antecipadamente revele um cenário desfavorável ao paciente, a tendência é que ele desista do ajuizamento da demanda, o que evita a distribuição de demandas infundadas no Poder Judiciário. Ademais, neste cenário — resultado desfavorável da prova produzida — não haverá condenação do paciente às verbas de sucumbência, o que torna o procedimento menos oneroso ao postulante.
Além disso, da mesma maneira que uma prova favorável ao paciente pode incentivar o ajuizamento de posterior ação indenizatória, poderá, da mesma forma, servir de barganha para a composição amigável entre as partes, já que o médico ou estabelecimento de saúde, tendo ciência do resultado da perícia, pode se empenhar em firmar acordo para evitar o ajuizamento de ação indenizatória, o que, auxilia sobremaneira a desafogar o Poder Judiciário.
Como se vê, a ação de produção antecipada de prova, nos termos no CPC/2015, apresenta-se como ferramenta útil e estratégica para que os pacientes apurem, antecipadamente e sem custos, os fatos e verifiquem a ocorrência, ou não, de conduta culposa dos profissionais médicos e/ou estabelecimento de saúde, sendo possível a apuração de vulnerabilidades existentes na questão técnica, e consequente expectativa de direito, que, a priori, não eram por eles observadas.
No mais, por meio da utilização do instituto, impede-se o aumento de lides indenizatórias temerárias, amparadas no incompleto conhecimento acerca dos fatos e direito em discussão, minorando a judicialização das respectivas demandas e evitando a sobrecarga do Poder Judiciário.
Ainda, a ferramenta se mostra como meio eficaz de resolução de conflitos por possibilitar a autocomposição, sendo cogente que a sua utilização seja encorajada e torne-se crescente perante o Poder Judiciário.
(1) Disponível em
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/judicializacao-e-sociedade-projeto-nacional-slide-dr-gebran-docpdf-23-09.pdf
Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-ago-18/luciana-abenante-producao-antecipada-provas-autocomposicao
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