Por dentro dos contratos de gestão e parcerias público-privadas na saúde brasileira
A busca por soluções inovadoras para a gestão dos serviços de saúde pública tornou-se tema central nos debates sobre eficiência, qualidade e sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Diante dos crescentes desafios enfrentados pelo setor, surge a necessidade de analisar e comparar diferentes modelos de parceria entre o Estado e a iniciativa privada. Entre essas alternativas, destacam-se os contratos de gestão com organizações sociais (OSS) e parcerias público-privadas (PPPs), modelos que, embora compartilhem o objetivo de aprimorar o acesso e a qualidade do atendimento à população, apresentam importantes diferenças em suas estruturas, objetivos e formas de atuação.
Neste artigo, convidamos você a explorar as particularidades de cada modelo, compreender suas vantagens, limitações e os impactos que podem trazer para o futuro da saúde pública no Brasil.
O que são contratos de gestão?
O contrato de gestão, definido no art. 5º da Lei no 9.637/98, é uma parceria que tem como objeto o fomento de atividades de interesse social desempenhadas por entidades do terceiro setor, qualificadas como organizações sociais, as quais permitem a execução de serviços públicos em nome próprio das entidades.
A pessoa jurídica, fundação ou associação de direito privado deve possuir um “título jurídico” – qualificação – conferido pelo poder público a partir do atendimento de determinados requisitos legais, sendo que o vínculo criado entre o Estado e a entidade privada detentora do título de Organização Social (OS) passa a existir por meio do contrato de gestão, e atua em paralelo ao poder estatal, mas não integra a administração direta ou indireta.
O que são Parcerias Público-Privadas?
A Parceria Público-Privada (PPP) é o termo usado para denominar uma outra modalidade de gestão pública de serviços firmada entre o setor público e a iniciativa privada, por meio de contratos administrativos de concessão, na modalidade patrocinada, ou administrativa, disciplinados na Lei 11.1079/2004, inicialmente voltados para a infraestrutura, obras públicas, fornecimento e instalação de bens, mas que, nos últimos anos, se voltou para um rol mais extenso de serviços públicos, que passou a incluir o setor da saúde.
Característica marcante desta modalidade de contratação é a repartição objetiva de riscos entre as partes, envolvendo, adicionalmente, tarifa cobrada dos usuários, como contraprestação do parceiro público ao privado, ou ainda, a instituição ou utilização de fundos especiais garantidores criados pelo poder público concedente específico com a finalidade de prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos.
Bata Cinza e Bata Branca: parcerias da área da saúde
Referidas parcerias voltadas para a área da saúde podem incluir os serviços de construção, manutenção predial, segurança, alimentação, lavanderia e equipamentos – nominados de “bata cinza” –, ou então, por outras vezes, serem mais abrangentes e incluir serviços de médicos, enfermeiros e medicamentos – nominados de “bata branca”.
Os dois modelos envolvem a colaboração entre o setor público e o setor privado, mas com estruturas jurídicas, objetivos e formas de operação distintas e diferentes de gestão na prestação de serviços públicos, na medida em que a Parceria Público-Privada (PPP) é voltada para grandes projetos de infraestrutura, com investimento privado significativo e contratos de longo prazo, e as OSS atuam na gestão de serviços já existentes, com foco em eficiência operacional, sem fins lucrativos e com contratos mais curtos.
Nesse contexto, encontramos muitas convergências entre os modelos no que se refere à forma de colaboração entre setor público e privado, vez que buscam melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços de saúde – SUS – por meio de parcerias e pela transferência de gestão, tendo sempre o Estado como poder delegado de serviços de saúde a entidades não estatais. Além disso, tanto os trabalhadores das OSS como das PPP’s são contratados via regime CLT, ou conforme a política de recursos humanos da entidade, sem a necessidade de concurso público. Nesse contexto, os dois modelos têm como objetivo principal garantir o acesso à saúde de forma mais eficiente do que a gestão puramente estatal e, ainda, são regulados e controlados pelo poder público, além de permanecem sob supervisão deste poder público, em conformidade com os indicadores de desempenho.
Diferenças na prestação dos serviços
A despeito de diversas complexidades envolvidas nos dois formatos de parcerias, passamos a elencar algumas peculiaridades que distinguem os contratos de gestão e parcerias público-privadas, a saber:
Quanto à natureza jurídica, as OSS (Lei nº 9.637/1998) são entidades privadas sem fins lucrativos, ao passo que, as PPP (Lei nº 11.079/2004) envolvem empresas privadas com fins lucrativos.
No que se refere ao modelo de contratação, o de gestão envolve prazo médio de 5 anos, podendo ser renovado, e das PPP, o prazo é de médio a longo, não inferior a 5 anos, geralmente de 20 a 35 anos.
Relativamente ao procedimento, estes serão sempre incumbidos pelo poder público na forma da lei por chamamento ou convocação pública de chamamento público, no caso das OSS, e das PPP’s sempre através de licitação na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, sujeita aos condicionantes elencados no art. 10 da Lei Federal 11.079/2004, incluindo a realização de consulta pública das minutas de edital e contrato.
Divergem, além disso, quanto ao regime do papel privado desempenhado, tendo as OSS gerenciamento de unidades de saúde públicas (como hospitais e UPAs), ao passo que as PPP’s podem construir, equipar, manter e operar hospitais e serviços.
A metodologia de remuneração das entidades difere, uma vez que as OSS recebem recursos públicos repassados via contrato de gestão com base em metas de volume e qualidade, e nas PPP’s o pagamento é realizado por metas e desempenho, ou cobrança por serviço (dependendo do tipo de PPP).
Integração estratégica
Em conclusão, podemos afirmar que ambos os modelos visam melhorar a saúde pública, mas com abordagens distintas em termos de escala, financiamento e risco, tornando necessário que o Poder Público avalie sempre a melhor forma de adequação dos serviços públicos, permitindo que a iniciativa privada forneça a expertise e os recursos financeiros necessários à concretização dos interesses da população para estabelecer, por meio dos contratos de gestão e de Parceria Público-Privada, uma perfeita interface entre os setores público e privado.
Por Lídia Valério Marzagão, sócia do MZBL Advogados